terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O CORPO DESFEITO POR FRANCIS BACON por Rogério Luz

























- A quase exclusividade da apresentação e do desfazimento do corpo na obra de Francis Bacon, justificam o interesse da obra do pintor inglês para um certo exame da temática do corpo.
- A reprodução do rosto por Bacon, segundo ele nos diz, procura acolher a potência que habita no corpo.
- Na figuração do corpo humano da arte pré-histórica, não há representação do rosto, nem, portanto, do olhar.
- Pierre Francastel assinala a importância da figura do ser humano na arte, presente em todas as épocas e culturas (...) os modos de representar variam e podem ser agrupados em três grandes tipos: SIMBÓLICO - de um poder divino ou real, mais ou menos rigidamente codificado, sem que os traços individuais predominem. REALISTA - o indivíduo aparece como representante de um grupo social, em um contexto cultural específico. INDIVIDUALIZADO - quando surge de uma subjetividade singular.
- Na arte moderna ocorre a ruptura: entra em cena o sujeito das sensações e a linguagem autorreferente.
- A imitação do mundo é substituída pela análise do sujeito, consciência e corpo produtores de signos.
- A representação da figura humana diria respeito à maneira de se pensar o lugar do indivíduo na sociedade e do ser humano no cosmos.
- Para Bacon, mais do que um sujeito se apresenta, o que se operaria na figura humana retratada seria a pluralidade e a diversidade de modos de produção da subjetividade.
- Na figura em Bacon, não realista, evidencia-se a distância entre a imagem e coisa. A mais estreita intimidade vai de par com o maior estranhamento.
- A reprodução do rosto por Bacon, procura acolher a potência que habita o corpo.
- Um novo regime de produção de verdade sobre o corpo e o sujeito revela-se na arte atual em torno da figura humana e de suas desfigurações(...) Se o discurso do quadro é a construção de uma enunciação de verdade não é, justamente, da ordem do visível.
- A questão da figura humana não se coloca tanto em termos de analogia entre cópia e modelo, semelhança e dessemelhança, nem da dialética da contradição entre si próprio ou alhear-se de si. Ela se coloca fundamentalmente em termos de um devir simultâneo de, identidade e alteridade, contrariedade paradoxal e relação exclusiva do mesmo e do outro.
- Segundo Winnicott, por meio da distorção e do desfazimento de corpos e rostos, Bacon procura dolorosamente ser visto, o que aponta para o próprio fundamento de um olhar criativo.
- Bacon enfatiza o papel do acaso, da busca de uma estrutura que parta do acaso e que evite a imagem ilustrada comandada racionalmente.
- Essa forma/figura, real e verdadeira, parece e aparece "com a coisa", e remete diretamente ao feixe de sensações nervosas que é o corpo, sem mediação de comparação com um referente modelo.
- Na pintura de Bacon, o olhar, ao se libertar do corpo orgânico - isto é, ao liberar o olho de sua integração em um todo orgânico - atinge uma intensidade tátil, porque permite que a cor possa agir diretamente sobre o sistema nervoso.
- Deleuze reconhece, nas pinturas de Bacon, as Estruturas Espacializantes, de cor chapada ou escovada, os contornos ou limites, que as linhas determinam, e, por fim, as Figuras, que esboçam dois movimentos: de emergência do caos e de retorno ao caos. Toda essa configuração parte de Diagramas, isto é, de uma trama traçada e apagada por gestos, com o uso de diferentes instrumentos: mão, pano, escova ou o que estiver por perto.
- Os Diagramas - traços e manchas - são pré-pintura: eles mostram o que na tela já está confusamente escrito.
- Bacon rompe com o figurativo, evitando a imagem narrativa e ilustrativa.
- A forma ilustrativa imediatamente lhe fala, através da inteligência, que ela expressa, enquanto no caso da não ilustrativa, ela primeiro atua nas emoções e depois faz revelações sobre o fato.
- Bacon desorganiza o figurativo e caminha na forma do corpo e do rosto humano, para o inorgânico e o inumano, isto é, para a forma figura.
-Aquilo que faço com as faces é feito por motivos estéticos, por que acho que isso fez a imagem ser transmitida de maneira mais intensa, mais verdadeira.
- Cada Diagrama, e cada Figura que dali emerge, por meio de determinada lógica, é singular, acontecimento singular a ser testemunhado a cada vez. Esse acontecimento é processo de subjetivação: como linha e plano, cor e figura, uma corporeidade, um sujeito corpóreo, centrado em seu isolamento e desaparecimento,é produzido e surge do isolamento como Ícone ou Imagem, mais verdadeiro do que o seria por semelhança.
- Realidade e verdade não estão do lado da semelhança representativa, mas a imagem sensorial, produz o fato das sensações, o fato que afeta.
- Para Bacon, as radiografias do corpo humano revelam a plástica dos ossos e carnes, a força de impacto de uma estrutura e as sensações de vida e morte, provocadas, por exemplo, por suas crucificações.
- Bacon não trabalha na presença, mas sobre fotos de seus modelos: prefere ficar sozinho mas com a lembrança deles.
- "Através da foto começo a divagar sobre a imagem e meu pensamento vai captando na realidade mais finamente do que conseguiria apenas com os olhos. E as fotografias não são somente pontos de referência; muitas vezes elas são detonadoras de ideias.
- O rosto visão, o rosto olhar, o rosto espelho da alma e o rosto signo da intersubjetividade humana não são suficientes ara conceituar nossa atual experiência do corpo. O corpo, representado como sistema de órgãos e funções, torna-se um campo de forças internas e externas. Essas forças se tornam indiscerníveis sobre uma fronteira de contato e separação. O corpo é atravessado por fluxos que configuram diferentes zonas de sensação e níveis de intensidade mutantes: corpo de desejo, corpo de afetos. Corpo que não se opõe aos órgãos, mas a organização deles em um organismo.



Nenhum comentário:

Postar um comentário